sexta-feira, 30 de julho de 2010

ROYAL TOKAJI ASZÚ 6 PUTTONYOS - NYULÁSZÓ 1996


Nota Prévia:
Senhora, eis o Rei dos Vinhos e o Vinho dos Reis!
Esta foi a frase que Luís XV terá proferido ao oferecer uma garrafa deste precioso néctar à mais famosa das suas amantes, Madame de Pompadour. Como esta frase, aquele rei francês consagrou para sempre a nobreza dos Tokaji, os quais eram também muito apreciados por outras casas reais, nomeadamente, pela Coroa Inglesa e por diversos Czars da Rússia.
Estes vinhos de Tokaj-Hegyalja assumem uma importância capital na cultura Húngara, sendo mesmo dignos de referência no seu hino nacional. Em conjunto com Saint-Émilion (Bordéus-França), Douro e Pico (Portugal), esta região integra o restrito acervo de regiões vitivinícolas classificadas como património mundial pela Unesco.
Beneficiando de um micro clima que favorece o desenvolvimento natural do fungo botrytis cinérea (também conhecido por podridão nobre), esta região é responsável pela produção de uvas verdadeiramente excepcionais, designadamente, as das castas Furmint e Hárslevelü, que possuindo um elevado potencial aromático, proporcionam a formação de um elegante bouquet aos vinhos obtidos.
Os Tokaji Aszú (Aszú significa literalmente uvas ressequidas e botrytizadas) são elaborados a partir de uvas com uma quantidade tão elevada de açúcar que quase não fermentam. Em face disso, é então efectuada uma pasta que depois é adicionada ao vinho de base, conferindo-lhe o nível de doçura pretendido. Nestes vinhos, o grau de doçura é medido por puttonyos (nome dos antigos recipientes onde a mencionada pasta era guardada), correspondendo actualmente cada punttoyo a 25 gramas de açúcar por litro. O seu estágio tem lugar em caves cavadas nas rochas das montanhas vulcânicas, formando labirintos que chegam a ultrapassar os 30 quilómetros. Estas caves mantém de forma natural níveis constantes de temperatura e humidade, criando condições ideais para armazenar e envelhecer os vinhos.
Os Tokaji Essência, uma raridade absoluta, produzida apenas em anos de eleição e obtida através do sumo gota-a-gota de uvas Aszú, podem mesmo ultrapassar aqueles níveis de doçura, aproximando-se de uma concentração de açúcar comparável à do mel.
Nota de Prova:
Terminado todo o cerimonial inaugural que este vinho nos impunha, começamos então a verte-lo para os copos. Deslizava de forma sóbria, austera e até mesmo com uma certa dose de sobranceria, parecendo ser perfeitamente conhecedor da sua aristocrática condição!
Exibindo uma cor de um dourado cobre já bastante escuro, assomou-se-nos ao nariz de forma pujante e contundente. A profusão aromática era de tal ordem intensa que nos obrigou a uma parcimónia pouco habitual. Ninguém parecia querer “abandonar” aquele sumptuoso bouquet…até parecia um sacrilégio passar à sua prova de boca e não desfrutar de tamanha pureza olfactiva por mais tempo! Aromas de frutos secos, como nozes, avelãs e uvas em passa, acompanhadas por sugestões meladas e compotadas dominam o seu nariz, sendo, contudo, também bastante perceptíveis as suas notas de figos maduros, casca de laranja e alguma mineralidade.

Ousando por fim dar início às hostilidades da degustação, vimos as portas do jardim do éden abrirem-se todas para nós! Que textura arrebatadora, que concentração e complexidade se fazem sentir neste vinho! Sendo um 6 puttonyos (150 gramas de açúcar por litro) a doçura excessiva não se faz aqui sentir, graças a uma acidez verdadeiramente triunfante. Volúpia e sedução, luxúria e lascívia andam por aqui de mãos dadas com uma enorme sensibilidade, delicadeza e erudição. Quem disse que estas características aparentemente antagónicas não se podem harmonizar na perfeição? Será que toda esta energia telúrica, toda esta autenticidade e profundidade, consubstanciarão mesmo o sabor antecipado do paraíso?

Voltaire dizia que os Tokaji possuíam o condão de conferir vigor à mais pequena fibra do seu cérebro. Mas que assertiva afirmação me parece ser esta…ou não fosse o Senhor um Iluminista! Suas Altezas Reais que me perdoem, mas este vinho não é dos Reis…é dos DEUSES!!!

sábado, 17 de julho de 2010

QUINTA DO BARRANCO LONGO - BRANCO GRANDE ESCOLHA 2009


CARACTERÍSTICAS:

Tipo: Branco
Região: Algarve
Produtor: Quinta do Barranco Longo
Castas: Arinto e Chardonnay
Teor Álcool: 13,00%
P.V.P.: +/- 10,00 €

NOTA PRÉVIA:

Eureka!...diria Arquimedes se cá estivesse! Mas não, desta vez não foi ele…fui mesmo eu que proferi tal expressão quando, há alguns dias atrás, consegui provar um vinho algarvio na famosa região situada no extremo sul do país e vulgarmente conhecida por Sotavento Algarvio! É verdade, finalmente descobri os tão famigerados Local Wines!!!
Em 2009, passei, ao todo, 25 dias no referido Sotavento Algarvio, entre os concelhos de Tavira e de Vila Real de Santo António, aos quais se seguiram outros tantos jantares e variadíssimos restaurantes.
Não obstante, sabem quantos vinhos algarvios consegui provar? Nenhum! Pois é, até parece mentira, mas é mesmo verdade!!! Nenhum dos muitos restaurantes frequentados, alguns dos quais com “alegadas responsabilidades”, possuía na sua carta qualquer referência a vinhos elaborados na região algarvia.
Produzindo vinhos desde tempos imemoriais, o Algarve chegou mesmo a afirmar-se como uma região vitivinícola de eleição, nomeadamente no século XIV, por alturas em que o país era francamente assolado pela filoxera. Esta região mais a sul, por ser aquela que mais terá conseguido escapar a tal calamidade, tornou-se numa verdadeira referência nacional, beneficiando, inclusivamente, de grande simpatia por parte da coroa Portuguesa da época.
Apresentando-se como um autêntico anfiteatro virado para o mar, com um clima genericamente classificado por mediterrâneo, usufruindo de uma diversidade de solos, seja arenosos, de aluvião, argilo-cálcarios e até mesmo xistosos e estando protegida a norte pelas suas serras de Monchique, Caldeirão e Espinhaço do Cão, o Algarve, afigura-se, quanto a mim, como um terroir pleno de potencialidades.
Tendo sido vítima, em meados do século XX, de desenfreados interesses de índole imobiliária e turística, os quais conduziram a um crescimento urbanístico perfeitamente desordenado, com o consequente arrancamento de inúmeros hectares de vinha, o Algarve ressurge nos últimos anos com vários projectos vitivinícolas bastante consistentes, que a médio prazo, digo eu, o irão certamente catapultar para a hegemonia vivida noutras épocas.

NOTA DE PROVA:

Um desses projectos é a Quinta do Barranco Longo, localizada em pleno Barrocal Algarvio, entre as freguesias de Algoz e São Bartolomeu de Messines. Este projecto tem vindo a ser conduzido por uma equipa liderada pelo produtor Rui Virgínia, que aposta na produção de vinhos de qualidade, aliados a tecnologia de vanguarda e a métodos enológicos inovadores.
Dessa quinta chega-nos agora este branco, elaborado a partir das castas Arinto e Chardonnay, cuja fermentação ocorreu em cascos de carvalho francês e americano e o estágio teve lugar, por um período de 6 meses, sur lie e batonnage.
Revelando um aspecto cristalino e uma cor citrina com laivos esverdeados, este vinho exibe um nariz extremamente aromático, com abundantes notas frutadas, a lembrar pêssegos e nectarinas, evidentes sensações de ananás e, ainda, uma certa maça verde tão típica da casta Chardonnay.
Na sua prova de boca, apresentou-se sempre muito equilibrado e harmonioso, com uma cremosidade deveras atraente, bom corpo, boa estrutura e suaves toques a baunilha provenientes da madeira que se acha, contudo, muitíssimo bem integrada. O seu final é profundamente fresco e sedutor.
Que grande Algarve temos aqui! Quem me dera ter este tipo de vinhos sempre à mão aqui no Porto, o que, acreditem, não é mesmo nada fácil!
No entanto, confesso ter agora o Algarve na minha mira, pelo que poderão esperar por futuras notas de prova referentes a vinhos oriundos daquela região!
Este branco da Quinta do Barranco Longo mostrou-se, efectivamente, um vinho alegre e espevitado, charmoso e galanteador, que ao saber falar-nos de forma muito terna ao ouvido, nos deixa uma verdadeira sensação de saudade curiosa!

Nota pessoal: 16,5                                                                                         Olga Cardoso

sexta-feira, 9 de julho de 2010

M de Mingorra - Late Harvest 2009


Região: Alentejo
Produtor: Henrique Uva - Herdade da Mingorra
Enólogo: Pedro Hipólito
Castas: Semillon
Teor Álcool: 13,8%
P.V.P.: +/- 15,00 €

Das quentes planícies do Baixo Alentejo, chega-nos agora este vinho branco doce, elaborado a partir de uvas sobreamadurecidas e já afectadas pela botrytis.  
Esta característica, também conhecida por podridão nobre, resulta da contaminação dos cachos pelo fungo botrytis cinerea, o qual, tendo como principal virtude a elevada desidratação das uvas e consequente concentração do seu açúcar, transmite aos vinhos um conjunto de aromas e sabores de inegável sedução. 

A casta escolhida para a elaboração deste Late Harvest foi a Semillon, casta rainha dos famosos vinhos doces de Bordéus, os Sauternes, onde não raras vezes aparece loteada com um pouco de Sauvignon Blanc e de Muscadelle.    

Pese embora a opção por esta casta, eventualmente presidida pela sua reconhecida susceptibilidade à botrytis, parece-me ter havido aqui uma certa vontade de fugir ao consagrado estilo daqueles vinhos franceses. 

Sempre olhei para a diversidade de estilos como algo muito benéfico para a evolução das colheitas tardias lusitanas, pelo que este pretenso “distanciamento” me agradou especialmente.

Nada tenho contra as colheitas tardias nacionais que se pretendem colar àquele estilo gaulês, reconhecendo até bastante qualidade a algumas delas, mas sempre achei que havia espaço e caminho para a “imitação” de outros perfis ou até mesmo para a criação de novos estilos.

No entanto, por conversas que tenho tido com outros amantes do vinho, e até pelo que tenho lido sobre este tipo de vinhos em fóruns e blogues da especialidade, parece-me que a “veleidade” de se afastar de uma tipicidade tida por mais tradicional, exibindo um perfil porventura menos consentâneo com o que muitos esperam de um Late Harvest, poderá custar à Mingorra umas quantas observações menos positivas!

Ousadia e inovação comportam sempre um certo risco, mas a Herdade da Mingorra, e agora estou a referir-me directamente ao seu vinho de nicho (Uvas Castas), já nos deu provas de que sabe proceder a uma adequada análise do mesmo.
Recorrendo a uma garrafa bem mais roliça do que estamos habituados, até nisso mostraram que se pretendiam distinguir...! Afinal de contas, o aparecimento de um formato diferente nas prateleiras das nossas garrafeiras poder-se-á tornar bem mais apelativo, não?!

Com um nariz onde não são desprezíveis os aromas mais típicos a mel e a frutos secos, são, no entanto, as suas notas cítricas e florais, aquelas que mais exalam do seu bouquet. Pese embora não se trate de um vinho doce com grande exuberância aromática, a harmonia e o equilíbrio são duas características que marcam forte presença no seu conjunto olfactivo.

Na boca mostra-se denso e untuoso, como convém a um colheita tardia, mas também bastante suave e elegante, graças a um grau de doçura muito bem conseguido.
Com um corpo médio e um nível de açúcares totais na casa das 89 g/l, este Late Harvest esgrima uma frescura e uma acidez muitíssimo bem colocadas.

Esta foi, de facto, a característica que mais me agradou neste vinho. Que acidez fantástica para um colheita tardia nado e criado em Beja! Qualidade essa que me faz mesmo antever uma digna capacidade de guarda.

A fermentação teve lugar em cuba inox, com paragem por abaixamento repentino da temperatura. O estágio foi efectuado em barricas de carvalho francês de 700 litros, previamente usadas na fermentação de vinhos brancos, por um período de apenas 6 meses, tendo por objectivo conferir-lhe tão só um pouco mais de estrutura e complexidade, sem o marcar em demasia.

Com os seus vários componentes muito bem interligados, onde a presença da madeira não esmaga a sua fruta, deixando mesmo que esta assuma um certo protagonismo, este vinho branco doce natural, apresenta um final longo e persistente.


No que concerne a harmonizações, estou em crer que a bem equilibrada balança entre doçura e acidez  lhe potenciará uma certa  versatilidade gastronómica. Mas porque ainda não o testei a esse nível, sugiro, para já, que o provem juntamente com o clássico foie-gras, seja fresco ou mi-cuit, ou até mesmo com um patê de foie temperado com umas pedrinhas de flor de sal, com uma diversidade de queijos, seja de pasta mole ou de pasta dura e com sobremesas tais como tarte de amêndoa ou strudel de maça.

Para os maiores apreciadores deste tipo de vinhos, ditos (erradamente quanto a mim) de sobremesa, deixo aqui uma pequena achega. 
Quando provarem este vinho, não pensem que irão ver explodir no copo a complexidade e a profundidade que reconhecemos ou podemos reclamar de um Château d’Yquem, de um Royal Tokaji Essencia ou de um Trockenbeerenauslese alemão da melhor estirpe.

Nada disso, como é óbvio! Apreciem-no como um colheita tardia português, produzido numa região de muito calor, mas muito bem feito, muito bem proporcionado, consistente e afinado.

Nos últimos anos, temos vindo a assistir ao surgimento de vários Late Harvest em Portugal, muitos dos quais de qualidade duvidosa é certo, mas também não me parece menos certo que as potencialidades lusas neste tipo de vinhos se têm vindo a afigurar cada vez maiores.

Deixemo-nos então de comparações inócuas e acarinhemos o que é nosso…ou por nós efectuado!

E se eu já desconfiava que um certo hedonismo pairava sobre a adega da Mingorra, este vinho veio por fim confirmá-lo, de uma forma melódica e compassada, assim como que…a título de apoteose!

“Quando se é todo em cada coisa e se põe tudo quanto se é no mínimo que se faz, a lua toda brilha, porque alta vive!”                                                                          
                               
Por último, e não obstante a sua eventual polivalência à mesa, sugiro ainda que o saboreiem na ausência  de qualquer companhia. Acreditem que, desde que servido a cerca de 8º C e num copo adequado (vulgo copo Siza para Vinho do Porto) me parece ter predicados suficientes para nos proporcionar um belíssimo concerto a solo!                                                                                   
E já agora, este vinho será um Adagio ou um Allegro Vivace? Provem-no e depois digam-me…

Nota Pessoal: 17                                           Olga Cardoso